por Carolina Reigada

O motivo da consulta na tela do computador era “mostrar exames”.
Reli a última consulta, há quase 2 meses. Hipertensão, não lembra os remédios que toma, mas bem controlada. Por um detalhe na história, lembro da paciente. E lembro também da consulta: veio queixar-se de esquecimento. “Quando esquece, o que esquece?”. Ela conta que é na sala de aula que os “brancos” vêm.
Me interesso pela sala de aula. Ela conta que está aprendendo a ler e escrever. Olhei para o rostinho calejado, para a bengala, para os cabelos brancos…e para a alegria que ela tinha em estar sendo alfabetizada. Me emocionei.
Pedi para contar desses esquecimentos. Acontece em casa, se perde na rua? Não, ela diz. Eu arrisco: às vezes a gente tem a cabeça tão cheia de preocupação que não prestamos atenção no dia a dia, e os detalhes nos fogem.
Ela conta que é a filha mais nova. Mora com ela. Ela a ama, mas a filha parece não querer se aproximar. A distância é o castigo que a filha lhe dá, a pena por achar que a mãe devia lhe dar atenção, por achar que a mãe gosta mais da irmã.
Aquela emoção que senti mais cedo na consulta me deixou ousada. Perguntei: você a ama? Ela disse que sim, e chorou. Eu disse: então fala pra ela. Ela disse que não sabia como. Eu disse: olha no olho dela, e fala.
Ela voltou hoje, na segunda consulta.
Esqueceu-se dos esquecimentos. Pergunto o que ela precisa hoje. Ela me diz que, no dia das mães, pegou na mão da filha e a disse que a ama muito. E se surpreendeu quando a filha disse que também a ama muito, mas tem dificuldade para mostrar.
E me emocionei de novo. Mas eu não deixo transparecer, não. Fico durona.
Ela diz que Deus é muito bom, eu sorrio. Ela diz que Ele coloca pessoas boas no nosso caminho. Eu mudo de assunto: vamos ver esses exames, então. Não quero admitir que fiquei feliz de ter me conectado com ela e ajudado de alguma forma. Porque vou acabar decepcionando-a, em algum momento, ao longo do tempo. Sei que não sou essa pessoa boa a que ela se refere.
No fim da consulta, retomo: mas então vocês se aproximaram. Ela diz que estão achando um caminho. Sorrio novamente. Sinto a mesma conexão de antes, e me pergunto se ela entende o meu sorriso, como eu acho que entendo o dela.