Uma das coisas interessantes na Estratégia de Saúde da Família é que, a medida que a gente se aprofunda na comunidade, os casos se tornam ainda mais profundos porque nossa visão sobre ele é muito maior do que meramente clínica, de um encontro fútil de consultório, ele rasga a pele e adentra as entranhas até do relacionamento familiar e comunitário.
E quando a mãe leva a criança para atendimento dizendo que a professora não aguenta mais pois ela é desafiadora e não leva desaforo para a casa, é você confronta a mãe e pergunta se ela esperava que fosse diferente do jeito dela mesmo de levar a vida. Sabendo que a mãe, mesmo é aquela que provoca a vizinhança, que ameaça os professores, que chama para a briga física quem olha de maneira “torta” para ela. E nessa constatação você pode, com propriedade e conhecimento, direcionar a atenção para a forma como ambas enfrentam suas dificuldades, fazer propostas de mudança de comportamento.
Ou outra criança que na mesma semana vem com a mesma queixa porém, de uma mãe que é contida demais, porém, em seu trabalho que as pessoas têm a capacidade de achar ainda que é uma “vida fácil” traz confusão e insegurança para o filho fazendo com que ele fique agitado, agressivo e que diz que quando se sente “humilhado”, partir para cima. Me conta um exemplo de o que é ser humilhado (eu pergunto), ele responde: por exemplo quando uma amiguinha pediu para ele sair de um determinado lugar. Ele foi com chutes e pontapés sobre ela. O olhar da mãe é perplexo diante de tanta irritabilidade do menino, mas também desconhece que todo o processo da vida dela possa pesar sobre o filho de alguma forma. O menino tem pesadelos, range os dentes, é sonambulo e a mãe e a professora não entendem porque ele dorme na sala de aula. No consultório, o momento é de trazer a luz à base desses sintomas, pegar a raiz do problema, entender os sentimentos que são a fonte desses sofrimentos, porque fatos não nos faz sofrer, o que nos faz sofrer e adoecer são os sentimentos gerados por ele.
Penso se isto seria possível em uma consulta de 5 minutos, ou se é possível ser feito por um sistema que entende que precisa ficar mudando o profissional de lugar e impede qualquer possibilidade de vínculo e de longitudinalidade. Vê a arte da profissão em saúde como automatizada e técnica apenas. Mas, ser profissional de saúde da família vai além desses limites, além das 4 paredes, além do exame físico, ele trespassa o paciente em seu passado e presente, em seus pensamentos e sentimentos, no que o tira de uma situação de equilíbrio transitório que a gente chama de saúde para uma perturbação que a gente chama de doença.